terça-feira, 10 de março de 2009

CONTO


RECANTO NO CORAÇÃO
Marco Tassinari

Quando cheguei em Porto Alegre, vindo de Uruguaiana, contava seis anos de idade. Por influência de minha tia que morava na rua Landell de Moura, me estabeleci com a família na rua Mario Totta, para o “lado da praia”, como se dizia.
A casa era de madeira com enorme porão. Ao lado, cinco pés de cinamomo forneciam a sombra ao verão escaldante. Nos fundos do terreno havia um abacateiro que dava frutos deliciosos no inverno e eram colhidos no pé. Também havia quatro pés de mamão, em cuja lateral, minha avó fez um galinheiro. Dali tirávamos os ovos para o almoço e as gemadas batidas com açúcar. Era uma casa com portão de madeira, árvores, caramanchão, cachorro, gata com filhotes, torneira de ferro. Tudo isso bem próximo a um rio com barcos, natação em água limpa e peixes.
Lembro de meus amigos. Eram o Renan, o Ronald, o Miguel, o Hamilton, o Darcy, o Lotário e o irmão Ricardo, o Marcio e o irmão Adão, o Carlinhos. E as gurias, nossas companheiras inseparáveis e torcedoras sem trégua, algumas irmãs daqueles, como a Eunice, a Ellinha, a Vivian, a Magda, a Valéria, a Ingrid, a Siegrid. Minhas primas Viviani, a Rose e o primo Luiz Carlos, o “Taio”, também eram da “patota” da Tristeza.
Deixávamos nossa imaginação criar coisas incríveis. Certa vez tive um cão em sociedade com a Viviani. Era o Lobo que passava o dia na casa dela e à noite vinha dormir na minha. Combinávamos que ele traria bilhetes na coleira, com mensagens dela para mim, de minha tia para minha mãe e vice-versa. E assim criamos o cão-torpedo, muito antes das operadoras de celulares.
Nesta época, idos de 1958, o Bairro Tristeza possuía matas nativas por onde a garotada se escondia durante as brincadeiras de pique-esconde. Muitas vezes usei a mata para ler. Lia ao som de sabiás, pintassilgos, canarinhos e folhas que caiam nas páginas de livros de Monteiro Lobato e Érico Veríssimo, colorindo-os.
Em dezembro passado, decidi revolver este recanto da infância. A partir da Wenceslau Escobar, iniciei a descida da rua Mario Totta, para o lado da praia. Procurei pelo número da rua. Nada. Pelos cinamomos, pelo abacateiro. Minha casa fora substituída por um prédio com quadra poliesportiva. A casa de madeira, com os pomares, as árvores, porão de brinquedos, a longa escadaria para descer até o pátio dos fundos, pode ser encontrada apenas na página da memória. Sem fotos que recordem sua existência, a casa de minha infância é ficcional. Existe. Na imaginação.



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3 comentários:

  1. Lindo...verdadeiro...só a infância de nossos tempos possuem o colorido do seu conto...
    Eu que tive casas da minha infãncia, percorro aquelas de olhos fechados, e sei distinguir entre um abacateiro, um jambeiro, uma amendoeira...quiça uma espartódia em flôr!!!
    Este ficou belo...e a minuta que havia lido tb estava na minha ficção/memória. Aqui!

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  2. Gostei desta descoberta, é a primeira vez que entro num blog na vida...meu amigo Marco, com vc me supero...""possue"" errei a concordância...Im sorry!
    Você é você...
    Bjs,
    Deh

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  3. PARABENS!!...Fui criado em uma fazenda com vastos campos verdes,árvores e animais. entendo perfeitamente essa dissertação que vem do fundo de su'alma.

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